domingo, 18 de junho de 2017

De Crivellas e Marchezans: governantes contra o heroísmo do povo de Momo

Prefeito Nelson Marchezan JR - Foto Guilherme Santos/Sul21

Por Fábio Castilhos 

As emissoras de televisão, quando em entrevistas com diretores de escolas de samba, sempre se surpreendem com o clichê de que se trabalha o carnaval durante o ano inteiro. A origem do espanto nunca fica esclarecida: a indústria do carnaval é muito eficiente e trabalhadora, ou “vocês ainda não desistiram?”. A organização de cada desfile ultrapassa os quatro dias de folia; no entanto, depende gradualmente menos do trabalho e da eficiência de cada folião.

A repercussão da decisão do prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, mobilizou não apenas os carnavalescos – famosos e anônimos – em defesa de nossa manifestação cultural. Tal medida recai sobre outras manifestações culturais, já tão surradas no dia a dia. E a falta de incentivo não deixa de gerar somente lucro posterior para as comunidades, ela deixa de gerar história, consciência política e cidadania. Ao deixar de investir em cultura, todo governante diz ao seu povo: tua vida não interessa, apenas o suor do teu trabalho. Foi isso que o atual presidente disse ao tomar posse ano passado (não pense em crise, trabalhe). Foi isso que Crivella disse ao cortar pela metade a verba para o carnaval. É isso que ouvimos há anos em Porto Alegre.

O escritor brasileiro Eduardo Alves da Costa escreveu o poema “No caminho com Maiakóvski”, de 1968, cujo trecho bastante conhecido afirma o seguinte:

“Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.”

O poema, popularizado não só no Brasil, pode ser considerado um dos mais conhecidos no mundo. Nestes versos, não aparecem os nomes d‘eles’. Nem precisa, pois sabemos de cor o nome daqueles que nos açoitam há anos sem nos permitir gritar; daqueles que cortam verbas para cultura, educação e saúde; daqueles que despejam moradores de suas casas para abrigar carros e escritórios.

Foto: Marcelo Alves/O Globo 
Enquanto Marcelo Crivella escreve um enredo assombroso para o carnaval carioca, Nelson Marchezan mostra-se irredutível a qualquer diálogo. Não vê as contribuições que o carnaval de Porto Alegre já deu para a cidade, ignora os potenciais empregos que são disponibilizados e, ainda por cima, levanta a bandeira de “cidadão de bem”, de “bom moço”, de “bom partido”. Nosso atual prefeito, em consonância com os modelos políticos vigentes, soube apenas atravessar o samba de uma ponta a outra na avenida.


O clamor de Alcione, ao pedir “não deixe o samba morrer”, precisa ser atendido diariamente. Não se trata apenas do samba e do nosso carnaval. Trata-se de nossa dignidade, do nosso espírito livre, de nosso sonho de ser rei por um dia. Com essa opressão política, não adianta pensarmos enredos e acompanharmos a dança das cadeiras entre as escolas. Já pisaram nossas flores, destruíram nossos jardins e mataram nossos cães. Somente uma reação genuinamente carnavalesca e popular pode salvar nosso carnaval, e assim o anel de bamba de nossos antepassados precisa ser honrado, seja na Marquês de Sapucaí, seja no Porto Seco.