quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Do trabalho à ilusão: entre carnavais, acampamentos e lanceiros


Por Fábio Castilhos 

No Carnaval, ao fim de um desfile, os componentes da escola confraternizam, comemoraram e choram a sorte de sua apresentação. Avaliam-se os pontos positivos e negativos. Revisita-se cada setor da escola. Arregaçam-se as mangas e já se inicia o trabalho para o Carnaval do ano seguinte. Temas novos, sambas novos, fantasias novas. Uma nova história, uma nova vida.

Nas comemorações de 20 de Setembro, ao fim de um Acampamento Farroupilha, os componentes de cada piquete, que já confraternizaram, despedem-se e voltam aos seus trabalhos diários. Pouco se revisita o passado. Espera-se passivamente a passagem do ano para novamente se orgulhar da Guerra de Farrapos no ano seguinte. Os mesmos temas, as mesmas canções, as mesmas roupas. A mesma história.

Respeito sim os gostos tradicionalistas, mas tenho ressalvas. Se, por um lado, há uma sincera tentativa de retrato em preto-e-branco de nosso passado; há também, por outro, pintura criativa de lacunas culturais com retalhos europeus, medievais e exóticos (vide a presença da bombacha, conhecida de mongóis, árabes e cossacos, como indumentária típica do gaudério). O mate já era indígena; a carne, charqueada por escravos; o suor, pingado pelo peão sem terras. A figura do “centauro pampeano ” tem, no entanto, bastante luz nas músicas, na literatura e no imaginário, e se repete ano após ano no Parque Harmonia, como a reedição de um enredo antigo.

O trabalho de pesquisa e embasamento que ocorre no Carnaval ultrapassa a quadra da escola de samba, os dias de desfile e, por vezes, os anos. De desfiles que homenageiam nossa história, nossa religiosidade, nossa gente, surge o orgulho de permanecer renovando o carnaval e resistindo contra um sistema permanentemente opressor. No Carnaval, não se trata de reverenciar um passado reescrito, mas sim escrever melhor nosso próprio futuro.

A Homenagem que se faz no 20 de Setembro deve sim ser aos heróis que lutaram por ideais dignos à Humanidade. Os Lanceiros Negros, mortos no genocídio do Massacre de Porongos, estavam lá em nome da futura liberdade de sua gente, a nossa gente, contra a escravidão. Aqueles negros, mortos pelo aparato do Estado, somente queriam uma vida livre e nobre, sem grilhões. Aqueles guerreiros sim tinham virtude, eram fortes, aguerridos e bravos.