Foto: Ricardo Stricher|PMPA |
Por Israel Ávila
Há muitos anos que a disparidade de tratamento entre as
culturas do samba e do tradicionalismo em Porto Alegre povoa as conversas, e
com a modernização, as redes sociais. Não trata-se de uma picuinha barata ou
algum preconceito do lado de cá com os “irmãos de bombacha”, mas sim, uma
inquietude ao ver a diferença gritante no tratamento de duas culturas tão
fortes dentro da cidade.
Acredito que assim como eu, o povo do samba tem a ciência de
que nosso estado priva por “setembrar” suas raízes de forma festiva. Mas quando
fevereiro chegar, gostaríamos de, pelo menos naquela época, não nos sentirmos
tão diminuídos como temos nos sentido.
É desta diferença de tratamento, que inevitavelmente surgem às
comparações, não para que “o lado de lá” tenha menos atenção, mas que alguém
olhe também para o lado de cá.
Quem passar pelo Parque Harmonia, onde fica o Acampamento
Farroupilha de Porto Alegre, já poderá ver os piquetes sendo montados em
processo acelerado com a certeza de que poderão comemorar sem impedimento as façanhas
que “serviram de modelo a toda terra”. Já quem passar pelos barracões do
Complexo Cultural do Porto Seco em meados de Janeiro, irão presenciar os
trabalhadores preocupados com dois fatos: repasse de apoio financeiro para as
entidades e o fantasma do PPCI.
PPCI é o Plano de Prevenção Contra Incêndios, documento
importante para todo e qualquer local que deve assegurar a integridade física de
quem por ali frequenta.
Quem lembra (e quem é do carnaval certamente irá lembrar) que
neste ano dois, dos três grupos do carnaval de Porto Alegre não desfilaram: um
deles, o Grupo Bronze, por entender que não haveria de forma alguma condições
por não haver repasse de recursos, e o outro porque foi impedido pelo Corpo de
Bombeiros, que alegava que determinados pontos do sambódromo não estavam seguros
e ofereciam risco a seus participantes.
Foto: Tondy Guedes| Setor 1 |
O cenário na sexta de carnaval em Porto Alegre foi de guerra,
e usando palavras da voz do carnaval de Porto Alegre, Odir Ferreira, que presencia
a tantos anos os momentos que marcam a história do carnaval da capital exclamou com os olhos marejados: “Eu nunca vi isso acontecer. Foi o dia mais
triste dentro da história do carnaval que já vivi”.
A tortura se arrastou até o sábado de carnaval próximo das 21
horas, onde, finalmente, apenas o Grupo Especial (Série Ouro) teve o direito de
desfilar. A correria, a tristeza e tudo que envolveu o episódio foram transmitidos
AO VIVO para quem quisesse acompanhar, e só quem é do meio sabe o que sentiu.
Enfim, se o Complexo Cultural do Porto Seco é um local que
oferece risco de incêndio, que se deve dizer de onde se constrói diversas casas
de madeiras de forma irregular, onde se fazem instalações elétricas “como da”, onde
se faz fogo todo o dia (dentro dessas casas de madeira), onde a brasa do
churrasco nunca se acaba!
Ah, lá também pode-se andar armado, afinal, faca é
considerada uma arma. E ela vem na cintura, imponente e sem restrição. Já na
senzala, batizada de Complexo Cultural do Porto Seco até perfume e guarda-chuva
são vistos como armas. E aqui vale lembrar que na história do sambódromo nunca
houve registros de morte em dias de carnaval, já no Parque Harmonia...
Tem também o direito de ficar no centro da cidade. Eles
podem, já nós recebemos de presente um lugar no meio do nada que tivemos de
aceitar como “benfeitoria” a marra.
Não, não vamos falar do repasse de subvenção. Já entendemos
como irá funcionar nestes próximos anos.
Aos irmãos tradicionalistas peço em nome de todo o povo do
carnaval e do samba que entendam: NÃO É CONTRA VOCÊS, é pra mostrar que nesta província
não temos direitos iguais como mandam todas as constituições. Que não temos o mesmo
direito de festejar a nossa raiz, a nossa alegria e AS NOSSAS FAÇANHAS. Se tem alguém responsável por esta "guerra" entre as culturas, é quem as trata de forma diferente, não são vocês, nem somos nós!
Não é contra quem usa a bombacha, é contra quem não entende
que ela tem que ter o mesmo valor (material e cultural) que tem a minha
fantasia. Enquanto isso não acontece, a gente deixa nosso abraço aos
irmãos gaudérios, e um desejo de boa festa, nós por enquanto não temos o que comemorar... Povo que não tem
virtude, acaba por ESCRAVIZAR...