segunda-feira, 28 de agosto de 2017

Carnaval X Acampamento Farroupilha

Foto: Ricardo Stricher|PMPA

Por Israel Ávila 

Há muitos anos que a disparidade de tratamento entre as culturas do samba e do tradicionalismo em Porto Alegre povoa as conversas, e com a modernização, as redes sociais. Não trata-se de uma picuinha barata ou algum preconceito do lado de cá com os “irmãos de bombacha”, mas sim, uma inquietude ao ver a diferença gritante no tratamento de duas culturas tão fortes dentro da cidade.

Acredito que assim como eu, o povo do samba tem a ciência de que nosso estado priva por “setembrar” suas raízes de forma festiva. Mas quando fevereiro chegar, gostaríamos de, pelo menos naquela época, não nos sentirmos tão diminuídos como temos nos sentido.

É desta diferença de tratamento, que inevitavelmente surgem às comparações, não para que “o lado de lá” tenha menos atenção, mas que alguém olhe também para o lado de cá.

Quem passar pelo Parque Harmonia, onde fica o Acampamento Farroupilha de Porto Alegre, já poderá ver os piquetes sendo montados em processo acelerado com a certeza de que poderão comemorar sem impedimento as façanhas que “serviram de modelo a toda terra”. Já quem passar pelos barracões do Complexo Cultural do Porto Seco em meados de Janeiro, irão presenciar os trabalhadores preocupados com dois fatos: repasse de apoio financeiro para as entidades e o fantasma do PPCI.

PPCI é o Plano de Prevenção Contra Incêndios, documento importante para todo e qualquer local que deve assegurar a integridade física de quem por ali frequenta.

Quem lembra (e quem é do carnaval certamente irá lembrar) que neste ano dois, dos três grupos do carnaval de Porto Alegre não desfilaram: um deles, o Grupo Bronze, por entender que não haveria de forma alguma condições por não haver repasse de recursos, e o outro porque foi impedido pelo Corpo de Bombeiros, que alegava que determinados pontos do sambódromo não estavam seguros e ofereciam risco a seus participantes.

Foto: Tondy Guedes| Setor 1

O cenário na sexta de carnaval em Porto Alegre foi de guerra, e usando palavras da voz do carnaval de Porto Alegre, Odir Ferreira, que presencia a tantos anos os momentos que marcam a história do carnaval da capital exclamou com os olhos marejados: “Eu nunca vi isso acontecer. Foi o dia mais triste dentro da história do carnaval que já vivi”.

A tortura se arrastou até o sábado de carnaval próximo das 21 horas, onde, finalmente, apenas o Grupo Especial (Série Ouro) teve o direito de desfilar. A correria, a tristeza e tudo que envolveu o episódio foram transmitidos AO VIVO para quem quisesse acompanhar, e só quem é do meio sabe o que sentiu.

Enfim, se o Complexo Cultural do Porto Seco é um local que oferece risco de incêndio, que se deve dizer de onde se constrói diversas casas de madeiras de forma irregular, onde se fazem instalações elétricas “como da”, onde se faz fogo todo o dia (dentro dessas casas de madeira), onde a brasa do churrasco nunca se acaba!

Ah, lá também pode-se andar armado, afinal, faca é considerada uma arma. E ela vem na cintura, imponente e sem restrição. Já na senzala, batizada de Complexo Cultural do Porto Seco até perfume e guarda-chuva são vistos como armas. E aqui vale lembrar que na história do sambódromo nunca houve registros de morte em dias de carnaval, já no Parque Harmonia...

Tem também o direito de ficar no centro da cidade. Eles podem, já nós recebemos de presente um lugar no meio do nada que tivemos de aceitar como “benfeitoria” a marra.

Não, não vamos falar do repasse de subvenção. Já entendemos como irá funcionar nestes próximos anos.

Aos irmãos tradicionalistas peço em nome de todo o povo do carnaval e do samba que entendam: NÃO É CONTRA VOCÊS, é pra mostrar que nesta província não temos direitos iguais como mandam todas as constituições. Que não temos o mesmo direito de festejar a nossa raiz, a nossa alegria e AS NOSSAS FAÇANHAS. Se tem alguém responsável por esta "guerra" entre as culturas, é quem as trata de forma diferente, não são vocês, nem somos nós!

Não é contra quem usa a bombacha, é contra quem não entende que ela tem que ter o mesmo valor (material e cultural) que tem a minha fantasia. Enquanto isso não acontece, a gente deixa nosso abraço aos irmãos gaudérios, e um desejo de boa festa, nós por enquanto não temos o que comemorar... Povo que não tem virtude, acaba por ESCRAVIZAR...