Por Vinicius Brito | jornalista e compositor
Não há coincidência entre os coices simultâneos que o Carnaval
vem sofrendo no Rio de Janeiro e em Porto Alegre. São frutos da mesma cartilha:
o conservadorismo, que se alimenta de doses cavalares de preconceito. A escola
de samba incomoda.
E não é por causa da batucada dos nossos tantãs, pois a turma
que nos sabota faz até pezinho quando uma bateria treme o salão nobre em festa
de casamento ou baile de debutantes em clube de bacana. Bebericando espumante e
trajando smoking ou vestido longo, até eles caem no samba. A bronca é outra.
Não é por conta de nossos inegáveis pecados, como a presença
da contravenção (historicamente fundamental) em algumas agremiações cariocas ou
pelas trapalhadas administrativas de certas entidades carnavalescas gaúchas.
Quem quer nos devastar até usa destes rasos argumentos. Mas é sórdida
hipocrisia, já que a sonegação que patrocinam e toleram é muito mais nociva. O
buraco dessa perseguição é bem mais embaixo.
A revolta se dá porque as escolas de samba, com suas
idiossincrasias, empoderam! Cada quadril que requebra na batida de um surdo de
marcação é um sopro de dignidade em locais onde a dignidade nunca consegue
chegar. Reside aí a essência da tentativa reacionária de demonizar o Carnaval,
nos impondo a vilania de um falso maniqueísmo, onde somos a oposição ao salário
do servidor e à merenda das creches. Jogo sujo, que se expressa com censura.
Fecham e interditam as quadras de ensaio, mas não por excesso
de barulho ou falta de extintor de incêndio. Nossos crimes são contar a
história, fazer pensar e transformar o pobre em protagonista de um espetáculo
visceralmente popular. Nossa delinquência é subverter a lógica senhoril de um
Brasil que não aceita que deixou de ser colonial. A escola de samba é a senzala
que aprendeu a ler e rompeu os grilhões, pra histeria do senhor do engenho.
O problema é que a nossa arte veio no reboque da nossa fé. É
cântico diaspórico, resistente e ancestral, que singrou oceanos banhado de
sangue sob o açoite branco nos porões de navios negreiros. O ultraje continua.
Só trocou-se a chibata pela caneta dourada e pela gravata. Na tela da TV, no
altar, na tribuna e no gabinete.